Pra frente Brasil! Salve a seleção! A conquista do tri consagra a ditadura (II)
05/07/2013 11:56Daniel Baptista
(Continuação da parte I)
Médice e o milagre
O Brasil teve saltos gigantescos de crescimento econômico no período liderado pelo general Médici que era “o minuano, a oferta e a procura” como ele mesmo gostava de se chamar, nunca o país teve um crescimento econômico do porte que estava ocorrendo nos anos de 1970, foram 9,5% em 1970, 11,3% em 1971, 10,4% em 1972 e 11,4% 1973. Só que esse milagre estava nas mãos de 25% da população brasileira deixando o restante dos 75% longe do mercado consumidor crescente e exclusivo que era invadido por produtos dos mais variados possíveis. Esse festim da classe média que finalmente tinha assegurado os seus direitos a que ela havia reivindicado em 1964,enfim havia se consolidado e a escolha pela via repressora foi o melhor que o país podia ter afinal o teatrólogo Oduvaldo Vianna Filho dizia:
“Reduzir uma sociedade de 100 milhões de pessoas a um mercado de 25 milhões exige um processo cultural muito intenso e sofisticado. É preciso embrutecer esta sociedade de uma forma que só se consegue com o refinamento dos meios de comunicação, do meios de publicidade, com um certo paisagismo urbano que disfarça a favela, que esconde as coisas.”[1]
Esse modelo era propagado das formas mais ufanistas possíveis, a Rede globo colocou todo o seu aparato a favor da cúpula de Médici conforme Barros “... especialmente seu “Jornal Nacional”, que disseminava os ideais de “segurança e desenvolvimento” do regime militar incutindo hábitos culturais e louvando as conquistas governamentais.” (1998, p.60). No período do governo do General Médici foi criada a AERP (assessoria especial de relações públicas) que promoveu de forma muito ampla e ufanista o período que o Brasil vivia “Você constrói o Brasil!”, “Ninguém mais segura esse País”, “Brasil Ame-o ou Deixe-o” foram um dos diversos slogans criados no período até que veio o maravilhoso dia 21 de Junho de 1970.
Pra frente Brasil! Salve a seleção!
Aqui chegamos ao centro da análise do artigo: a propaganda que o regime militar fez e arquitetou graças aos feitos da “seleção canarinho” no México. O modelo vitorioso, genuinamente brasileiro em cima dos bens preparados europeus dava ênfase ao modelo brasileiro (ou pelo menos do que era ser brasileiro). Como bom brasileiro que era o presidente Médici deixou claro em seu discurso no dia anterior à conquista que:
“Mas é preciso que se diga, sobretudo, que os nossos jogadores venceram porque souberam ser uma harmoniosa equipe, em que mais alto que a genialidade individual, afirmou-se a vontade coletiva. Neste momento de vitória, trago ao povo a minha homenagem, identificando-me todo com a alegria e a emoção de todas as ruas para festejar, em nossa incomparável Seleção de Futebol, a própria afirmação do valor do homem brasileiro.” [2]
Vemos aqui um claro posicionamento do ditador que ele enquanto homem no dia de festa e celebração é igual aos demais da população na emoção! Mas deixa nas entrelinhas que não devemos à vitória a genialidade de Pelé, Rivelino, Gerson, Jairzinho ou Tostão e sim a um coletivo. E que dessa maneira, alinhado com o governo que está dando certo na vida de milhões de brasileiros obteremos o tão almejado sucesso e melhoria para todos,como a seleção o fez. Extremamente eficaz em seus discursos proferidos para a nação, Médici e a AERP sabiam perfeitamente alinhar as conquistas futebolísticas com a retórica reacionária dos militares, como nos trás BARROS “A marchinha ufanista “Pra Frente Brasil” foi oficializada e passou a ser tocada em todos os eventos públicos” (1998, p.61), e essa música pegajosa executada em qualquer inauguração de estátua subconscientemente nos levava a relembrar o feito da Seleção Nacional alinhando os feitos esportivos com o autoritarismo militar.
Ufanista e buscando demonstrar uma clara unidade nacional como vemos em um trecho de “o povo não está só” Médici afirmava categoricamente que “O governo não está só e só não está o povo nessa cruzada histórica, mas unidos um ao outro e um com o outro identificados.” (1973, p.84) o presidente afirmava que havia um projeto nacional em que todos estavam perfeitamente alinhados e que todas as conquistas eram fruto de toda a máquina montada na “Revolução de 64” principalmente na prática futebolística pois MÉDICI afirma que: “Na vitória esportiva, a prevalência de princípios que nos devemos armar para a própria luta em favos do desenvolvimento nacional” (1970, p.83) e voltamos a afirmar - afinal nunca é demais mostrar todas as artimanhas desse regime –que a conquista no México foi sem dúvida um salto para a propaganda e a legitimação dos militares, como nos demonstra VIANNI:
La publicidad intenta poner al servicio de sus fines la catexia emocional que vincula a incontables personas al fútbol. Hay numerosísimas posibilidades de utilizar El deporte como agente de propaganda. La siguiente enumeración de algunas variantes no puede formular La pretensión de ser completa. (1974, p.78)
Extasiado pela conquista da Seleção no México, o povo foi as ruas comemorar. O morador de rua comemora loucamente com o executivo, o policial sai cantando junto como estudante, o operário é festivo junto com o empresário, pobres, ricos, brancos, negros, paulista e baianos, todos nós somos brasileiros de norte a sul saudamos os nossos heróis com orgulho e acreditamos que o feito deles em território mexicano nos trará ventos ainda melhores. Somente o futebol é capaz de unir todos desta maneira fraterna e igualitária afinal nos afirma MAGNANE “... o esporte é um fenômeno social que impregna profundamente a vida quotidiana do homem do século XX ” (1969, p.20). Quem diria que aquela inocente diversão realizadas nos clubes no inicio do século XX, importadas da Inglaterra e aperfeiçoada por nós seria capaz de romper diferenças e unir todo um País em nome de um projeto que mascarava e ocultava as vozes discordantes nos porões.
Considerações finais
Conforme foi exposto ao longo deste artigo, podemos constatar que nada é criado na sociedade sem passar incólume aos seus elementos e preceitos que a compõe. O futebol que no início do século XX aceitava apenas homens e rapazes de boa família e boas conduta foi encontrando terreno nas classe mais carentes da sociedade brasileira, sem dúvida um componente social que era majoritário no País, portanto impossível de manter esse esporte branco e inglês como queriam os seus contemporâneos.
Após setenta anos de sucesso e evolução dentro do cenário nacional, esse esporte traz e reproduz consigo as mudanças políticas no cenário em que ele está envolvido. No México em 1970 tínhamos um Rei negro, bem diferente daqueles que iniciaram a prática desportiva no Brasil. Liderados por ele mostramos ao mundo o que era e como eram os brasileiros, ou melhor dizendo, transformaram a imagem de o que era ser brasileiro para nós conterrâneos e que a nossa maneira de fazer – política e futebol – era a mais sensata e a que nos levaria a voos mais altos. Graças a eficiente máquina propagandística dos tecnocratas do regime militar e as conquistas econômicas virtuosas no período 1969-1973, os homens fardados que mandavam em toda a política e vida de cada brasileiro fizeram um verdadeiro carnaval em pleno mês de Junho com a heroica conquista da copa do mundo e a guarda em definitivo da cobiçada Jules Rimet.
O regime militar encontrou na figura do general Garrastazu Médici o homem ufanista e que sabia discursar como poucos os feitos do regime, foi beneficiado diretamente com a consagração máxima do futebol mundial e fez disso um elemento que sintetizaria o apogeu da revolução de 64, uma maneira de dizer que o Brasil caminhava a passos largos para o futuro. Mas o história nos demonstrou anos mais tarde que eles estariam redondamente enganados.
Referências
BARROS, Edgard Luiz de. Os governos militares. São Paulo: Contexto, 1998.
MAGNANE, Georges. Sociologia do esporte. Sao Paulo: Perspectiva, 1969.
MEDICI, Emilio Garrastazu. A verdadeira paz.2 ed. Brasília, DF: Imprensa Nacional, 1973.
________________,O jogo da verdade. [S.l.]: [s.n.], 1970.
________________, O povo não esta só. 2 ed. Brasília, DF: Departamento de Imprensa Nacional, 1973.
SANTOS, Joel Rufino dos. História política do futebol brasileiro. São Paulo: Brasiliense, 1981.
VINNAI, Gerhard. El fútbol como ideologia. Buenos Aires: Siglo XXI, 1975.
WASSERMAN, Cláudia; GUAZZELLI, Cesar Augusto Barcellos (Org.). Ditaduras militares na América Latina. Porto Alegre: UFRGS, 2004.
Notas
[1]BARROS, Edgard Luiz de. OS GOVERNOS MILITARES. 1998, P.60
[2]MÉDICI, Emílio Garrastazu. A VERDADEIRA PAZ, 1970, p.83
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