Um bife ucraniano para as hienas imperialistas
18/03/2014 08:42Gabriel Graziottin
As recentes transformações ocorridas na Ucrânia, país do Leste-europeu, nos últimos anos, transcenderam o seu palco interno para o palco internacional, realimentando a voracidade de “hienas imperialistas”[1]do século XIX e XX por um espaço de consolidação e preservação de poder. O caso ucraniano, assim como o venezuelano e o sírio são mais um dos múltiplos conflitos regionais decorrentes da transição de uma ordem hegemônica (diga-se estadunidense) para uma incontrolável desordem internacional (ou multipolar).
De maneira sucinta, e conforme abordado no artigo anterior[2], o conflito na Ucrânia se iniciou no final do ano passado quando o então (e legítimo) presidenteViktor Yanukovych se recusou a se associar a União Europeia (ou Império Europeu) em detrimento da aproximação comercial com o reconstituído Império Russo[3], alimentando a insatisfação da população etnicamente ucraniana e das elites e oligarquias econômicas de Kiev.[4] Insatisfação essa que, com o apoio inegável de grupos fascistas que renasceram das cinzas da História e, por maior espanto, com apoio da Europa e Estados Unidos, tomaram as ruas de Kiev, tornando a Praça daLiberdade [5] em um palco de barricadas. Apesar das tratativas, resistências e conflitos, não teve jeito: um golpe foi instalado e o presidente acabou deposto por um fantoche do Ocidente, contrariando os interesses geoestratégicos russos.
O que ocorreu a partir de então foi a transcendência desse resultado histórico para o xadrez internacional, principalmente quando o governo interino ucraniano oficializou o “ucraniano” como língua oficial – rejeitando uma grande parcela de etnia e língua russa na Ucrânia – e ameaçando a permanência da base militar russa na Criméia, banhada pelo Mar Negro.
O poderoso urso russo então se levantou – não muito diferente das demais hienas imperialistas – reivindicando a anexação do território da Criméia por justificativas étnicas e aceitação popular ao pertencimento do território russo. Enfurecidas, as potências imperialistas ocidentais, em busca do abocanhamento completo do bife ucraniano, se contorceram, realizando múltiplas ameaças enquanto que as tropas russas já estavam sendo mobilizadas para a Criméia.
A hiena europeia possui o claro objetivo de expansão do Império europeu (ou União Europeia) para a Ucrânia, saboreando o bife com os dentes do capital financeiro europeu e do FMI, já a hiena ianque deseja delimitar o bloco eurasiático expandido nos últimos anos pelo urso russo, odiado fantasma da Guerra Fria. No entrelaçar desses objetivos estratégicos, tropas norte-americanas já se deslocaram para a região do Mar Negro, realizando – assim como os russos – treinamentos militares com seus parceiros romenos e poloneses. No meio de tantas reuniões e cúpulas diplomáticas para o então mais significativo conflito mundial pós-Guerra Fria, o Império Chinês levantou a sua voz e ameaçou o decadente (mas não morto) Império norte-americano, de cobrar os trilhões de dólares em ouro[6]caso o Velho Sam coloque a sua mão completa no conflito...Bem-vindo à desordem mundial!
O conflito na Ucrânia, apesar de ser o palco ou o bife mais desejado no momento pelas hienas imperialistas, permanece incerto e fonte de instabilidade política e militar. A probabilidade de uma guerra aberta entre os EUA e a Rússia, apesar da retórica insuflada norte-americana, é baixa, devido ao fato da Rússia ser o único país com arsenal militar para abater os EUA[7] e a dependência europeia à Rússia (diga-se o gás natural), podendo haver um estágio de acordo e uma forte chance de separatismo da Criméia. Porém, com um fascismo ressurgido, uma crise capitalista global e uma nova corrida imperialista, nada mais improvável do que o futuro.
Referências
DRAITSER, Eric. A Ucrânia e o renascimento do fascismo na Europa. In: Controvérsia. Jan. 2014. Disponível em: https://www.controversia.com.br/index.php?act=textos&id=17997
FADEEV, Maxim. China amenaza a EEUU con sanciones económicas si continúaconlamisma postura conrespecto a Ucrania. In: La República. es, mar. 2014. Disponível em: https://www.larepublica.es/2014/03/china-amenaza-a-eeuu-con-sanciones-economicas-si-continua-con-la-misma-postura-con-respecto-a-ucrania/
GRAZIOTTIN, Gabriel. O Levante ucraniano: a luta entre o duplo nacionalismo e o mercado consumidor. In: O Fato e a História. Jan. 2014. Disponível em: https://ofatoeahistoria.webnode.com/news/o-levante-ucraniano-a-luta-entre-o-duplo-nacionalismo-e-o-mercado-consumidor/
LAMAS, Miguel. Ucrânia: rebelião popular contra a crise socioeconômica. In: Corrente Socialista dos Trabalhadores. Fev. 2014. Disponível em: https://www.cstpsol.com/viewnoticia.asp?ID=505
MATOS, Dídimo. O neo-eurasianismo e o redespertar russo. In: Revista de Geopolítica. v. 3 n 2, jul./dez. 2012. P. 71-79.
MILNE, Seumas. Ucrânia: o obscuro jogo dos governos ocidentais. In: Outras Mídias. Mar. 2014. Disponível em: https://outraspalavras.net/outrasmidias/destaque-outras-midias/crimeia-o-obscuro-jogo-dos-governos-ocidentais/
MITRALIAS, Yorgos. Ucrânia: Anti-fascistas europeus, despertem!A peste castanha está de volta! In: Revista Fórum. Mar. 2014. Disponível: https://www.revistaforum.com.br/blog/2014/03/ucrania-anti-fascistas-europeus-despertem-peste-castanha-esta-de-volta/
SOUZA, Hugo R. C. Ucrânia: o imperialismo é a guerra, em tempo real. In: A Nova Democracia. Mar. 2014. Disponível em: https://www.anovademocracia.com.br/no-127/5253-ucrania-o-imperialismo-e-a-guerra-em-tempo-real
TODD, Emanuel. DEPOIS DO IMPÉRIO.Rio de Janeiro: Record, 2003.
Notas
[1] O termo “hiena”,devo a Hugo Souza (2014), por se encaixar como uma luva na atual situação internacional.
[2] “O Levante ucraniano: a luta entre o duplo nacionalismo e o mercado consumidor”, publicado nessa página pelo mesmo autor.
[3] Que, paulatinamente, retoma a sua antiga região da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS), sob uma nova designação de bloco eurasiano.
[4] Que se beneficiariam com uma aproximação com o Ocidente europeu. Ao contrário de outra grande parcela da população ucraniana de camponeses ao sudeste e oeste, com afinidades russas.
[5] Renomeada por “Euromaiden”, ou Praça Europa pelo Ocidente e grupos midiáticos.
[6] “Calcanhar de Aquiles” dos Estados Unidos pela sua homérica divida com a China, presente em sua Dívida externa superior a 15 trilhões de dólares.
[7] Preservado da antiga União Siviética.
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