Rolezinho em São Paulo: Transgressão à moral burguesa brasileira
23/01/2014 08:32"A gente não quer só comida, a gente quer bebida diversão e arte."
Titãs
Rodrigo Garcia
Recentemente a chamada “classe c” protagonizou um “movimento” em São Paulo que reavivou, entrelinhas, toda a história da formação social brasileira. Uma sociedade que esconde diversas pessoas hipócritas, racistas, de pensamento preconceituoso e elitista.
Basta comentar sobre as cotas, ou então, agora, sobre um simples “rolezinho” num shopping, espaço geralmente frequentado pela classe média e alta, para que apareçam reacionários de todos os tipos, dizendo que os jovens que saem de suas delimitações geográficas determinadas pela ordem econômica (favela) causam medo, espanto e só querem arruaças.
O poder de compra vem acompanhado com o acesso as áreas burguesas – ah, esqueci que existem pessoas que dizem que o conceito de burguesia não existe mais e que é coisa de marxista que não entende o próprio Marx – pois bem, então chamamos o que uma suposta pós-modernidade chamaria de classe alta. O que parece é que desde a formação do capitalismo, as classes sociais sempre estiveram bem definidas, não só pelo poder de compra, mas sim de acesso cultural, de lazer. Há, subjetivamente, uma segregação que está sendo derrubada por pessoas que querem e podem frequentar qualquer espaço como cidadão. Pobres estão querendo o que a classe média e alta desfrutam prestigiosamente. A classe c não quer fazer arruaça, mas sim serem vistos e lembrados. Lamentavelmente, tenho que conceituá-los como classe c, pois as identificações destas pessoas se dão pelo seu modo de vestir, agir e pensar que difere do moralismo criado pela burguesia, opa, pela classe média e alta.
O evento de São Paulo desempoeira o que existe no Brasil há muito tempo. Basta cruzar a fronteira invisível dos espaços urbanos e dos espaços culturais marcados pela distinção de acesso que é determinado pelo poder aquisitivo que logo vemos pânico. “A gente não quer só comida, a gente quer bebida diversão e arte”. Este trecho da música dos Titãs expressa bem o momento do evento de São Paulo. Jovens usando a mídia da internet para organizar um passeio no shopping. Por instantes, não foram as vitrines com roupas ou eletroeletrônicos que estiveram em evidência, mas sim a forma como jovens brancos e negros pobres, com bermudas coloridas, com um estilo “funkeiro” que chamou a atenção, inclusive da policia que agiu de forma enérgica contra estes transgressores. Transgressão! Este foi o conceito utilizado para identificar a ação dos jovens no shopping, invadindo o espaço geográfico e a ordem social do perímetro urbano formado pelas elites.
O Brasil de hoje passa a impressão que todos os cidadãos têm acesso a bens materiais e imateriais, conforme a melhoria econômica de cada classe social. No entanto, cada vez mais parece ser diluída a ideologia segregacionista, preconceituosa e racista. A classe que tem acesso aos meios básicos de saúde, educação e segurança, preocupa-se com sua segurança e garantia e para isto preferem cercar seus espaços. Ainda que lenta, a mobilidade social cria eventos que desconfortam aqueles que querem se permanecer estáveis. Quando as oportunidades e o saber de que os menos abastados podem e devem frequentar os lugares que demais pessoas frequentam, o incômodo aparece para todos que tem formação e pensamento elitista.
O evento na cidade de São Paulo ganha tamanha repercussão por estar concentrado grande percentual da classe média e alta paulistana e os shoppings, uns dos poucos lugares “seguros” da “selva de pedras” são o aldeamento destes privilegiados. Os conflitos sociais sempre existiram e continuam ativos, pois a luta de classe é permanente e será em qualquer lugar que houver desigualdades.
O poder de compra esta relacionado com as oportunidades de acesso a cultura, espaço geográfico e lazer. A classe c esta buscando novos territórios para demonstrar seus pensamentos e sua cultura e também interagir com novos ambientes. Os jovens que protagonizaram o evento em São Paulo foram discriminados e “colocados em seu lugar”. Isto significa o antigo e longo conflito capitalista iniciado na modernidade: as classes existem distintamente e os bloqueios a certo lugares são impostos, seja por sua arquitetura, ou a possibilidade e compra. Então, que haja mais transgressão para que a máscara social continue caindo.
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