Notícia e mídia no Brasil (VI): O casamento da Televisão com a ditadura
17/06/2013 12:42Davenir Viganon
A partir dos anos 60, a televisão finalmente tomou do rádio o posto de veículo mais importante da família brasileira. As telenovelas, programas infantis e humorísticos invadem a telinha. É o circo, desta vez sem o pão, visto a crescente desigualdade social que assolava o país.
Roberto Marinho[1]
A ditadura marca a vitória, pela força, do projeto entreguista sobre o desenvolvimentista no Brasil. O golpe 1964 não foi puramente militar, teve apoio da sociedade civil, que participou através de empresários de diversos ramos incluindo a comunicação. Temos nesse contexto a Rede Globo que na medida em que crescia livre de seus concorrentes, ascendeu em poder vertiginosamente com o apoio recíproco da ditadura.
A lei proibia que a televisão no país tivesse participação acionaria de grupos estrangeiros, mas o Jornalista Roberto Marinho burlo-a ao se aliar ao grupo de mídia norte-americano Time-Life que lhe rende um pomposo orçamento. Não sabia o presidente Juscelino Kubitschek que, em 1957 lhe fornecera a concessão, que a
“a TV globo do Rio de Janeiro, junto com as outras concessões de televisão das organizações Globo, viria a constituir uma rede nacional de emissoras próprias e afiliadas que, sob o comando de Roberto Marinho ao longo dos anos da ditadura militar, se transformaria em uma das maiores, mais lucrativas e mais poderosas redes de televisão do planeta.” [2]
A Rede Globo que cresceu sobre os escombros das Emissoras Associadas de Victor Costa, que morreu em 1958, a Rede Globo adquire suas estações de rádio e emissoras de TV que se agregam ao patrimônio de Roberto Marinho. Mesmo as denuncias de Carlos Lacerda sobre o acordo ilegal, foram ineficazes devido ao apoio político que Marinho dispunha do regime. O artigo 160 da Constituição Federal foi ignorado, assim como a CPI aberta para investigar o escândalo em 1966, que terminou por abafar o caso.
Além da proibição de capitais estrangeiros nas comunicações, a lei não permitia também a formação de monopólios, pois, segundo o Código Brasileiro de Telecomunicações, de 1962 e no Decreto-Lei 236/67, permitem apenas duas emissoras de TV por Estado. Mas com a anuência do regime tudo se resolvia quando as empresas, colocando “laranjas”, como donos de emissoras independentes do interior, se integravam em uma Rede que repassava os programas de uma emissora central. De modo que as emissoras no interior dos Estados já surgem dessa característica monopolizatória, diferente dos jornais que foram abocanhados pelos grupos jornalísticos da capital no inicio do século XX, as Redes de TV e Rádio (integradas à mídia impressa) passam a ocupar simultaneamente toda a comunicação social do país. Criam-se então os monopólios, ligados geralmente a famílias (daí a expressão também usada “oligopólio”) politicamente influentes que por sua vez ditam as pautas jornalísticas e do entretenimento.
Esclarece Pedrinho Guareschi que além do apoio político e jurídico, as a Globo também obteve apoio material do regime.
“Esse esquema de monopólio começa a ser fortalecido pelos militares que tomaram o poder em 1964, quando aprofundam a presença do estado na implantação de um sistema de comunicações. Os militares criam a empresa brasileira de telecomunicações, (EMBRATEL), em 1965, o ministério das comunicações (MINICON), em 1960, e a telecomunicações brasileiras S.A (TELEBRAS), em 1972. Investem na discagem direta à distância (DDD) e no sistema de microondas. Toda essa infra-estrutura montada pelos generais-presidentes é repassada aos empresários de comunicação”.[3]
Além da estrutura de telecomunicações o apoio financeiro do regime a Globo também foi importante. As verbas públicas destinadas à televisão eram abocanhadas em grande parte pelo grupo de Roberto Marinho e isso inviabilizava uma concorrência significativa com quem não dispunha de tal privilégio.
A censura agia ativamente no jornalismo, de maneira bastante feroz em relação à mídia impressa (como veremos na parte seguinte). Mas no telejornalismo, principalmente o global, estava de plena sincronia com o regime, seu programa jornalístico diário, o Jornal Nacional, era conhecido na época como “a voz da ditadura”.
Cid Moreira nos primórdios do Jornal Nacional[4]
Mas a censura não submeteu apenas o jornalismo, mas também a programação cultural sofreu intervenções e dentro deste meio existiram apoiadores abertos ao regime, como por exemplo, a comunicadora Hebe Camargo que “amaciava” a dureza dos militares com adjetivos carinhosos como “tadinho dele” ou “que graçinha” além de outros artistas eram considerados “amigos do regime” como o Roberto Carlos que foi recentemente relacionando ao regime, revelado através de documentos. [5]
A televisão, mais ainda que o rádio possua uma capacidade de disseminação de idéias que nenhuma revista ou jornal poderia ter, a facilidade de assimilação através da combinação de imagem e som permite uma perfeita sincronia, que criou o habito de ver televisão. A rede Globo soube conduzir melhor do que ninguém esse espetáculo, incutindo o “padrão Globo” de televisão, que seria copiado pelas concorrentes para se manter no ar.
As duas maiores atrações na grade de programação da Rede Globo que se consolidaram no período foram, além do Jornal Nacional, as telenovelas, que exibiam folhetins em vários horários, sendo o principal o das nove horas. As novelas que já eram difundidas se aperfeiçoaram no canal, alimentando uma verdadeira indústria da publicidade ao mesmo tempo em que transmitiam valores capitalistas burgueses da Zona Sul Carioca num padrão para ser seguido pelo resto do país.
A força da Rede Globo era tanta, que sobreviveu ao regime que ajudou a consolidar. A censura que antes vinha do governo junto com os grupos de mídia, passou a ser exercida apenas pelos últimos.
Referências
BRITTOS, Valério Cruz; BOLÃNO, Cesar Ricardo Oliveira. Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. São Paulo: Paulus, 2005
GUARESCHI, Pedrinho A. Mídia e democracia.
HERZ, Daniel. A História Secreta da Rede Globo.
RAMOS, Roberto. Grã-finos na Globo: Cultura e Merchandising nas Novelas. 1986.
RUDIGER, Francisco. Tendências do Jornalismo. UFRGS. Porto Alegre, 1993.
https://historiadaimprensanobrasil.blogspot.com.br
https://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/12/envolvimento-artistas-ditadura-militar.html
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Notas
[1] https://shoopashampoo.blogspot.com.br/2011/08/um-pouco-de-historia-leitura-importante.html
[2] BRITTOS, Valério Cruz; BOLÃNO, Cesar Ricardo Oliveira. Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. São Paulo: Paulus, 2005
[3] GUARESCHI, Pedrinho A. Mídia e democracia. 2005, p.37
[4] https://cincomeiasete.blogspot.com.br/2010/01/o-percurso-da-televisao-e-do.html
[5] https://www.pragmatismopolitico.com.br/2012/12/envolvimento-artistas-ditadura-militar.html
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