Da Primavera aos "Dragões Egípcios": As causas da queda de Mohamed Morsi
19/07/2013 08:50Gabriel Graziottin
A Sinfonia egípcia sem direção
Da opressão ditatorial a uma “Primavera Árabe”,[1] de uma “Primavera Árabe” a um processo democrático singular no Oriente Médio; de um regime (apesar dos pesares) democrático e legitimado [2] a um Golpe de Estado, ou quem sabe, uma “Segunda Revolução”? Da onde se trata esse turbilhão de acontecimentos históricos recente? Egito, o país das múmias faraônicas.
Charge de Bira: As aparências enganam? [3]
Após o levante popular efetuado no Egito em 2011, destituindo então o presidente Rosni Mubarack, assumiu Morsi num processo democrático, num Estado em que à complexidade política, o emaranhado de interesses distintos e antagônicos transformam o jogo de poder numa “sinfonia sem direção”. Sucintamente, tal complexidade se dá pela relevante posição geoestratégica do Egito (isto é, no Oriente Médio, palco de diversos conflitos político-econômicos), por apresentar instituições religiosas entranhadas no poder - segundo os princípios históricos do Islamismo de Maomé, em que tanto religião como política não se separa -, disputas étnicas entre grupos religiosos, um exército excepcionalmente poderoso e influente, e é claro, os interesses do Ocidente, vide o “bom e o velho” Tio Sam.
Não se apontará quais serão as perspectivas do Egito (muito menos o que poderá acontecer) e não se efetuará uma aprofundada análise de seu caso, porém, se apontará e brevemente se discutirá os elementos condicionantes que levaram o orquestrar de um golpe, pela primeira vez na História do Oriente Médio, de um regime democrático por uma gigantesca camada da sociedade, com grupos de interesses distintos entre si.
Quando a economia vai mal...
Sem a menor sombra de dúvida, ao se tratar das relações internacionais, pode-se irrefutavelmente afirmar que nenhum país ou nação é uma ilha, isolada dos demais pelas influências político-econômicas e ideológicas. Aplicando-se isso, podemos destacar os efeitos da crise econômica de 2008 e a delicada situação da Europa finalmente chegando aos países em desenvolvimento (e emergentes), como o Egito. Sabe-se que esses efeitos estão chegando, majoritariamente esse ano, tendo, desse modo, o governo de Morsi – assim como outras nações - enfrentado essa significativa ameaça desestabilizadora. Segundo Gianni Carta (2013):
Uma em cada cinco pessoas vive com 2 dois dólares diários. Os preços aumentaram 4,5% no ano passado, enquanto a receita doméstica sofreu uma queda de 11,4%. A inflação de 8,7% no ano passado pode chegar a 13% neste ano. A taxa de desemprego é de 8,7% e de 46,4% para aqueles entre 20 a 24 anos. O turismo que representa mais de 11% do PIB sofreu uma queda de 70%, e o déficit do balanço de pagamentos é de 11,3 bilhões de dólares, enquanto a dívida externa beira aos 40 bilhões de dólares.
Fica visível, assim, que um grande fator de desestabilidade se dá por uma agravante infraestrural, isso é, uma economia em crise, afetando não somente as contas do Estado egípcio como a grande parte da população, com o aumento dos preços, inflação, e principalmente, a alta taxa de desemprego. E diga-se o seguinte, quando a economia não está bem, todo o resto entra em crise. E esse resto, são os mais variados grupos da sociedade que se levantam, se articulam e vão às ruas protestas, derrubando o que estiver em sua frente.
Somados a essa crise econômica, como desastrosa forma de remédio, Morsi decidiu, nada mais nada menos, do que implementar antigas medidas neoliberais e privatizantes da economia, conforme atesta Emir Sader (2003),
Durou um ano o governo de Mursi, em meio à rejeição dos setores laicos – em grande maioria jovens e sindicalistas –, com a situação econômica e social se agravando aceleradamente. A única alternativa que o Ocidente tinha era o FMI à espreita, oferecendo recursos em troca de um endurecimento brutal dos gastos estatais, a começar pelos subsídios ao petróleo e ao trigo.
Assim, uma economia em crise, resultada em grande medida pelas forças econômicas exógenas que atingiram o Egito, foi um grande elemento condicionante para viabilizar milhões de pessoas – principalmente jovens – marcharem pelas praças e ruas, vociferando novas perspectivas e melhoras de vida. Uma regra básica da história política é que, nenhum governo se sustenta por muito tempo no poder com uma economia em frangalhos, ou, com medidas pouco populares.
Sai um ditador laico e se elege um déspota islamita
Somando-se a esses fatores, teve-se uma altíssima rejeição popular pelo desempenho atestado por Morsi durante esse pequeno período de seu governo, e pela falta de execução de suas propostas eleitorais, somando-se um condicionante muito decisivo, a perseguição de grupos religiosos, como os católicos, por seu partido, a Irmandade Mulçumana. E, mais ainda, a centralização política efetuada pelo presidente, assumindo poderes despóticos.[4]
As reformas por ele anunciadas durante a campanha de 2012 não passaram de promessas. Os protestos na Praça de Tahrir e país afora ocorreram a partir do fim de novembro, quando Morsi promulgou um decreto pelo qual conferia a si direitos plenos. “Derrubamos um ditador laico e elegemos no posto um déspota islamita da Irmandade Mulçumana”, resume Arnous. (CARTA, 2013).
Com isso, resultou-se no Egito um antigo fenômeno político-ideológico de perseguição religiosa, nesse caso, grupos não islâmicos, tendo até o Papa Francisco I e o Papa Teodoro II de Alexandria se articulado para se fortalecerem e, quem sabe, enfraquecer o então presidente Morsi.[5]
O golpe dos Dragões Egípcios embalados pelo furação populacional
O resultado em cadeia de elementos e correlações de forças econômico-político-ideológicas todos nós sabemos. A maior massa populacional da História do Egito – e quem sabe do mundo – fora às ruas reivindicar a imediata saída do Presidente, resistindo Morsi ao máximo. Apesar de pouco noticiado pela boa e velha mídia ocidental, Morsi no fim tentou negociar com a oposição, estando disposto a dialogar e realizar concessões, porém, já era tarde: os “dragões egípcios” lançaram voo, embalados no ar pelo “furacão populacional das ruas” que clamava a sua saída. As Forças Armadas advertiram o Governo a encontrar uma solução no prazo de 48 horas com a situação irreversível desenhada, resultado: impossível.
Mouhamed Mursi foi deposto nesta quarta-feira do dia 3 de julho de 2013 pelas Forças Armadas, sendo substituído interinamente pelo presidente do Tribunal Constitucional. A Constituição também foi suspensa, segundo anúncio pelos responsáveis militares. Um golpe militar travestido de Segunda Revolução foi posto em prática pelos militares, perseguindo os partidários de Morsi, reaprendendo, prendendo e matando seus explícitos simpatizantes e instalando medidas de censura a grupos de comunicação.
Forças armadas egípcias, responsável pela efetivação do Golpe com a legitimidade das vozes das ruas.[6]
E aqui chegamos... novas eleições foram convocadas, permanecendo esse “Estado de exceção” de golpe a um regime democrático pelo bojo de elementos e condicionantes acima assinalados. Apesar de muitos afirmarem que os Estados Unidos apoiaram o fenômeno, tal questão é discutível, pois o Tio Sam estava se beneficiando das medidas neoliberais de Morsi. Barack Obama, para variar, mostra-se numa nova posição errática e “indecisa”, antes pedindo o diálogo de Morsi com os egípcios, e agora, solicitando um apaziguamento do clima gerado, como a imediata soltura do presidente pelos militares. Ao mesmo tempo em que se sabe que repassa bilhões de dólares para o Exército egípcio. Com isso, se afirma que até então, pelos indícios apresentados e consultados, o posicionamento de Washington não é suficientemente claro a respeito desse golpe, não podendo se negar que possivelmente apoiou esse distinto fenômeno histórico.[7]
Considerações finais
Ao verificarmos todos esses elementos condicionantes que viabilizaram a deposição do Presidente Morsi, eleito de forma democrática conforme os próprios preceitos ocidentais, por um Golpe de Estado, ou militar, devemos nos afastar de explicações simplistas que discorrem de suas arbitrariedades, autoridade e perseguições religiosas. Explicações simplistas chegadas até nós por grupos midiáticos que, apesar de desvinculados de senso tendencioso, em algumas situações, não nos apresentam todo um bojo de elementos que viabilizaram esse fenômeno histórico-político.
Pela complexidade política do Egito, seus inúmeros grupos antagônicos (sejam religiosos, laicos, políticos, militares ou as grandes massas de desempregados); pela vulnerabilidade econômica do país atrelado às infrutíferas respostas do presidente a esse desafio e suas medidas despóticas para conduzir um Estado, se orquestrou o primeiro golpe a um regime democrático no Oriente Médio após a chamada Primavera Árabe. As principais correlações de forças foram essas, porém, não se nega muitos outros elementos condicionantes prováveis que também fluíram para tal acontecimento. O jeito agora é esperar para ver.
Referências
BRASIL, Agência. Militares derrubam presidente do Egito e suspendem Constituição. In: Agência Brasil, jul. 2013. Disponível em
CARTA, Gianni. A Praça Tahrir gera o golpe. In: Carta Capital, jul. 2013. Disponível em: <https://www.cartacapital.com.br/internacional/a-praca-tahrir-gera-o-golpe-3758.html>
EFE, Agência. Tiroteio no Egito envolvendo Exército e islamitas deixa dezenas de mortos. In: Opera Mundi, jul. 203. Disponível em: <https://operamundi.uol.com.br/conteudo/noticias/29877/tiroteio+no+egito+envolvendo+exercito+e+islamistas+deixa+dezenas+de+mortos.shtml >
https://orientemedioemfoco.files.wordpress.com/2013/07/egito_golpe_3_julho.jpg
https://www.rededemocratica.org/images/2013/07/golpe-no-egito-charge.jpg
SADER, Emir. A crise do liberalismo no Egito (também). In: Carta Maior, jul. 2013. Disponível em: https://www.cartamaior.com.br/templates/postMostrar.cfm?blog_id=1&post_id=1277 >
Notas
[1] Termo cunhado pelos analistas e jornalistas ocidentais ao fenômeno de levante popular ocorrido em 2011, contra os regimes de cunho “ditatoriais”, iniciado na Tunísia e se espalhado como uma inexorável pólvora pelo Norte da África e Oriente Médio, desestabilizando regimes duradouros.
[2] Conforme os preceitos políticos da democracia do Ocidente.
[4] Despotismo não deve ser compreendido em seu sentido generalista, associado a um regime opressor e ditatorial. Despotismo é uma forma de governo na qual uma única entidade governa com poder absoluto. Pode ser uma entidade individual, como numa autocracia, ou pode ser um grupo como numa oligarquia. No caso do Egito, o despotismo se deu pela centralização política de Mursi, destituindo e demitindo funcionários de instituições egípcias, a favor de seu grupo de apoio, a Irmandade Mulçumana.
[5] Cabendo-se afirmar que o patriarca de Roma não possuiu poderes políticos no mundo, sendo apenas o líder espiritual dos católicos. Desse modo, como bem se sabe, a diplomacia do Vaticano é estritamente secreta.
[7] Até pela história de sua política externa nos mais diversos governos do mundo durante a Guerra Fria (1947-1991).
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