Analisando o filme: O último samurai
21/08/2012 08:23Walter Lippold
O filme O Último Samurai (2003) busca retratar uma luta muito importante ocorrida no Século XIX, os conflitos originados no avanço da industrialização e do imperialismo na Ásia. O Japão vive a Era Meiji[1], momento em que o Imperador centraliza o poder afastando-o dos daimios (“senhores feudais”) e do shogun (comandante militar) e inicia um processo radical de absorção da tecnologia capitalista ocidental, investindo em indústria, ciência, educação e poder militar, formando também os zaibatsu, as empresas monopolistas de famílias da elite japonesa como a Mitsubishi. O filme retrata a disputa entre as potências imperialistas/neocolonialistas européias e os Estados Unidos pelo poder no globo, trazendo em suas imagens estes conflitos gerados pela imposição violenta da chamada modernização: a vinda de tecnologias como ferrovias, telégrafos, energia elétrica, motores, metralhadoras, canhões, mas também a vinda de relações sociais como o trabalhado assalariado, a criação da educação nacional e o nascimento da imprensa.
Os temas imperialismo, neocolonialismo e revolução industrial (em sua segunda fase já), a luta entre o tradicional e o moderno, as mudanças radicais na sociedade, na cultura, apesar dos limites do filme, e dos seus erros históricos, aparecem com toda força nas imagens de O Último Samurai. Apesar de ter trocado e inventado nomes, o filme é baseado nos acontecimentos reais da Rebelião Satsuma, onde o líder Takamori[2] é a figura que inspira o chefe samurai do filme: Katsumoto. Mas na verdade muitos samurais da região de Satsuma apoiaram a Era Meiji, só que em certo momento criticaram o crescimento da corrupção no governo e a velocidade das transformações, a rapidez da abertura aos costumes estrangeiros.
Estes são os elementos do filme que podem nos levar a uma reflexão histórica sobre a idéia do Japão de querer se industrializar e adotar as técnicas de guerra do ocidente, para se manter independente, lembrando que o Japão vive a Era Meiji em 1868, já em 1895 e 1905, vence a China e a Rússia consolidando o expansionismo japonês na Ásia que só acabaria na II Guerra com as bombas nucleares em Hiroshima e Nagasaki.
Mas não podemos de deixar de criticar os limites desse filme de Hollywood: em primeiro lugar a “americanização”, em segundo lugar a figura do herói que fez algo ruim no passado e tem que se redimir com um ato bondoso, em terceiro muitos erros históricos.
A “americanização” do filme consiste na invenção histórica desta relação de ensino militar entre Estados Unidos e o Japão, pois o modelo seguido pela militarização japonesa na Era Meiji, foi o modelo prussiano e também o francês para o exército, sendo o inglês para a marinha. Assim o treinamento dos EUA no Japão é uma invenção histórica, pois foram instrutores europeus que treinaram as tropas imperiais japonesas. Mas sabemos que o Japão foi forçado a assinar acordos com os Estados Unidos em 1853, que cercou o porto de Edo (atual Tóquio) com vários navios de guerra a vapor cheios de canhões, tecnologias que os japoneses não possuíam. O medo de ser dominado pelos estrangeiros fez o Japão iniciar a Era Meiji, um processo de absorção das novas tecnologias da segunda fase da revolução industrial, inclusive das novas armas que revolucionariam as antigas táticas de guerra.
O clichê do herói que fez algo ruim no passado e vive um inferno astral, já foi muito utilizado no cinema, e infelizmente no filme O Último Samurai, ele se repete. Assim o herói tem que pagar pelo que fez no passado de um modo que faça o bem e recupere sua honra perdida. No caso do filme, o Capitão Aldren, participou do massacre contra indígenas na oeste dos Estados Unidos e agora deve se redimir ajudando samurais, que estão vivendo um processo semelhante: o avanço da indústria capitalista e o fim de suas antigas sociedades e culturas.
A terceira questão que se coloca são os erros históricos do filme: a) quem vê o filme e não conhece a história japonesa tende a pensar que os samurais moravam somente em vilas rurais retiradas, quando na verdade a classe dos guerreiros samurais também estava nas zonas urbanas além de muito deles terem aderido aos ideais de modernização; b) os samurais lutavam contra o novo regime Meiji porque estavam sendo extintos como classe, sendo proibidos de usar suas espadas, que eram o símbolo de seu poder. O que estava em jogo não era só a pureza e a tradição em si, mas o status dos samurais que foram ultrapassados nas táticas de guerras pelas novas tecnologias ocidentais (arma de fogo, artilharia); c) o exército japonês não era tão incompetente e inexperiente como retratado no começo do filme. d) o Imperador não falava inglês e somente falava com seus altos conselheiros.
A batalha final do filme é uma representação cinematográfica da
batalha de Shiroyama , travada no dia 24 de setembro de 1877, entre o governo imperial [japonês] e os guerreiros rebeldes, [que] foi decisiva e emblemática. De um lado do campo estava a Modernidade no outro alinhava-se a Tradição. Trezentos mil homens foram mobilizados para desbaratar os 25 mil samurais insurretos. Seis mil deles foram massacrados pelas novas armas.” (SCHILLING, Voltaire. Japão, o último samurai.)
No filme o herói norte-americano – Capitão Algren - sobrevive às rajadas de bala vindas das metralhadoras giratórias criadas pelo seu próprio País. Ele se redime e “recupera sua honra” perdida no seu passado de matador de mulheres e crianças indígenas indefesas. Os soldados do império japonês ficam ajoelhados como sinal de respeito ao momento da morte do samurai chefe Katsumoto, é uma espécie de representação sobre o que seria o nacionalismo militarista japonês e seu expansionismo: uma modernização sempre enraizada nas tradições passadas. Ficamos pensando sobre o que o filme tem de nosso presente, onde os EUA ainda continuam sendo os maiores fabricantes e fornecedores de armas do mundo. Não podemos deixar de lembrar de que os EUA em 1945 lançaram duas bombas nucleares no Japão matando milhares de pessoas e contaminando com radiação tantas outras, e que depois o Japão ainda se reergueu e tornou-se uma potência econômica. Talvez, as relações entre o norte-americano e os samurais no filme podem ser consideradas representações das relações entre EUA e Japão.
Notas
[1] “Decidiram aprender tudo o que fosse possível sobre as maravilhas estrangeiras para manter a nação livre. Não queriam-na ver reduzida ao triste papel de ser uma colônia ocidental como acontecera com a China depois das duas Guerras do Ópio, a de 1839 e a de 1856. Dessa maneira, recorrendo a estratégia de aprender com o inimigo, seguindo o lema Bummei kaika, "Civilização e ilustração", o Japão, tomando o caminho da industrialização acelerada, tornou-se a única potência asiática ainda no final do século XIX.” (SCHILLING, Voltaire. Japão, o último samurai.) Disponível em < https://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/2004/03/01/001.htm >
[2] “Os japoneses afirmam que Saigo Takamori, morto aos 50 anos, em 1877, foi o derradeiro samurai, o último grande mestre-de-armas que, com a espada na mão, lutou até o fim para preservar os fundamentos marciais da casta guerreira. A ética do Bushido, o código do guerreiro, que ele representava, estava por desaparecer na avalanche da modernidade, provocada pelas reformas ocidentalizantes radicais adotadas pela Restauração Meiji (1867-1912). Época de ruptura, em que a pólvora fez desaparecer a espada. Aos olhos do povo, porém, que lhe admirava a bravura, ele sacrificou-se como um herói na defesa da Kokutai, a originalíssima cultura dos japoneses, por isso até hoje não removeram a estátua dele no Parque Central de Tóquio.” (SCHILLING, Voltaire. Japão, o último samurai.) Disponível em < https://educaterra.terra.com.br/voltaire/mundo/2004/03/01/001.htm >
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